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Buracos: é o que a mineração nos deixa

“Graças à sua estratégica posição geográfica – no cruzamento de grandes rodovias, da futura ferrovia Carajás-Itaqui, nas margens da hidrovia do Tocantins, com disponibilidade de energia a ser fornecida por Tucuruí – Marabá possui especial vocação não apenas para centro comercial, agropecuário e produtor de bens minerais, mas também para tornar-se importante polo metalúrgico. Certamente, na virada do século, Marabá deverá ser um dos importantes centros industriais do país, com população superior a 200 mil habitantes”.

Esta previsão foi feita em 1980. Seu autor é o geólogo paulista Breno Augusto dos Santos. Ele era então – e continua a ser até hoje – uma das pessoas mais autorizadas a fazer considerações vívidas e profundas sobre a região dominada pela maior província mineral do mundo, a de Carajás, no centro-sul do Pará.

Breno pode ser considerado o descobridor da melhor jazida de minério de ferro do mundo por ter coletado, em 1967, a primeira amostra que definiu a existência do conjunto de bens minerais de Carajás. Quando começou a ser explorada, em 1985, tinha 18 bilhões de toneladas de minério, lavrável a céu aberto (que proporciona mineração mais barata).

Ao preço médio do ano passado, significaria uma riqueza de 1,3 trilhão de dólares, equivalente a mais da metade do PIB brasileiro do ano passado, de US$ 2,3 trilhões (a soma de todas as riquezas do país). Se constituísse um país, Carajás teria um PIB do tamanho do da Espanha.

Quase tudo que Breno anteviu para o momento de passagem dos dois séculos se confirmou, menos a condição de Marabá, a principal cidade da região, com quase 250 mil habitantes, como importante centro industrial do país.

Certamente esta seria a conquista principal de todo processo que ocorria quando Breno escreveu essas palavras, no trabalho “Geologia e potencial mineral da região de Carajás”, apresentado no Rio de Janeiro quase um quarto de século atrás.

Como o próprio Breno mostrou nesse estudo, todos os fatores se combinavam para o melhor dos resultados: a quarta maior hidrelétrica do mundo, o maior trem de carga que existe na Terra, um dos melhores portos mundiais, uma hidrovia de dois mil quilômetros e várias extensas rodocias. Mas essa perspectiva se frustrou.

Marabá cresceu, deu origem a vários outros municípios e ainda continuou a ser a capital do vale do Araguaia-Tocantins (drenando 8% do território brasileiro), embora perdendo a hegemonia quantitativa para Parauapebas, polo especializado em mineração e, por isso mesmo, dilacerado entre seu potencial de desenvolvimento e sua situação real (continua pobre, embora seja o 2º município que mais exporta e o que mais gera saldo de divisas para o país).

Não basta dispor de recursos naturais e de vantagem locacional se não se conta com inteligência aplicada. O crescimento da região de Carajás é tão impressionante quanto desequilibrado. Gera efeitos surpreendentes e nem assim leva ao desfecho mais desejado, que seria a agregação de riqueza cada vez maior para o reinvestimento, a ampliação da base produtiva e o melhor benefício social. Ao invés disso, desorganização, violência, desperdício, irracionalidade, caos.

O tempo passa e à medida que o seu avanço mantém essas características predatórias, com a exaustão de recursos finitos e a não renovação daqueles que podiam ser utilizados em maior extensão e intensidade, o pêndulo da história vibra contra as aspirações da região.

O crescimento populacional pode fazer Marabá alcançar a terceira posição no ranking estadual nos próximos anos. As atividades econômicas extrativas se multiplicam. Há novos meios de transporte, mas não a hidrovia. E a energia criada pela hidrelétrica de Tucuruí foi transferida para outros centros consumidores, deixando de exercer o efeito multiplicador no local. O perfil que se consolida é nitidamente colonial.

Mas ainda não é definitivo. As inteligências podem corrigir ou mudar os rumos. Para que esse objetivo esteja ao alcance das pessoas é preciso entender o que acontece e se antecipar às iniciativas que só favorecem o benefício de poucos – e de outros que não os moradores da região. É preciso adensar e atualizar o conhecimento dos fatos e dos processos para que o planejamento seja mais do que figura de retórica, como agora.

Alguns segmentos procuram estimular o interesse pelas questões da região de Carajás, consciente da urgência das decisões que precisam ser tomadas. O retorno, porém, está muito aquém das necessidades sociais. A extração de minério em Carajás já produziu uma receita bruta de mais de 300 bilhões de dólares em 25 anos. Mas o que foi reinvestido na região: O que ficou nela, mesmo que na forma de salários e imposto? O que deixou de nela ingressar por falta de novas atividades produtivas extensivas à simples extração mineral?

Como minério não dá suas safras, a escalada da produção, que nesta década passará de 100 milhões de toneladas ao ano para 230 milhões, ou se aproveita melhor a renda do recurso natural, ou, como sempre, o que restará será o buraco no lugar do minério.

Em quase todos os casos da mineração de ferro, que movimenta volume de rocha e terra que se medem por bilhões de toneladas, a regra é que a cava se transforme num lago artificial, que, quando muito, se transforma em ponto de atração para visitantes ocasionais. Não compensa nem de longe o que se perdeu com a exploração apenas da matéria prima.

Por isso, a pergunta mais importante e urgente que se faz sobre Carajás é: devemos concordar com o nível tão intenso de lavra mineral? O que nos restará mesmo são essas enormes cavas e reduzidos benefícios – e ponto final?

Discussão

Um comentário sobre “Buracos: é o que a mineração nos deixa

  1.       Aproveitando o questionamento do parágrafon 13, deve-se salientar que no tocante a impostos, enquanto as mineradoras no planeta geram impostos com valores em torno de 4% da exploração mineral, esta mineração brasileira gera apenas 0,4% de impostos, os quais “talvez” tornem-se benefícios para o povo.

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    Publicado por Gilberto Santos | 14 de fevereiro de 2013, 1:04 pm

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